segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Lembrancinha De Um Reencontro

Quando conheci Hosana, meu primo Ramon já havia entrado no ônibus com um embrulho no bolso esquerdo do short camurça, que seria o motivo pelo qual ele levaria uma facada no braço por se recusar a entregá-lo a um assaltante, e eu era banhado pela garoa finíssima e a noite assustadora que abraçava Comendador Soares com o ímpeto de Saladino.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Fim do Elo

Meu apartamento: antigo palco de acontecimentos apoteoticamente íntimos. Instantes cheios de vidas articuladas, falatórios irrefreáveis, conversas intermináveis. Tudo isto já é uma lembrança remota, passado. E como tudo que é passado, faz bem ser relembrado de vez em quando – assim mesmo, só por lembrar – tragar a nostalgia para dar sabor completo à vida. Na manhã, o perfume típico da cidade grande: o monóxido de carbono entrando pela janela aberta preenchendo delicadamente o pulmão, como se fosse mesmo um tipo de néctar olfativo que nos apresentasse o início da vida na metrópole com seus carros ensurdecedores e sua agitação incansável.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Lapa Afetiva, Choro e Indagações

É uma temporada triste, esse início de dezembro.Triste porque o tempo corre desenfreadamente e logo as plantas de meus pés estarão tocando outras ruas que não essas ao qual conheço todos os segredos. Ando inquieto diante de minha ausência que logo será sentida por aqueles que amo – ou que eu acho que será sentida. E, no meio de todas as vozes confessando o quanto eu lhes sou importante e marquei suas vidas, os rostos transmutando sorriso em lábios trancados, a dúvida sobre o que ela sente ainda paira sobre minha cabeça como nuvens cinzentas antes da tempestade.

Naquele dia de trabalho, não fiz mais que revisar alguns pequenos textos falhos, redigir alguns artigos simples e beber um pouco de cerveja cedida pelo chefe da redação. O calor estava insuportável. Para piorar, o ar-condicionado mais potente do escritório havia quebrado. Comprar as bebidas foi uma forma de acalmar os ânimos e nos deixar um tanto quanto relaxados já que, além de tudo isso, ainda existia a preocupação com a segurança por conta dos últimos acontecimentos no Rio de Janeiro.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Frustração, Cerveja e Sophia

A voz no telefone, do outro lado da linha, confirmava o medo que me rodeava desde a hora em que acordei. Nós não nos encontraríamos devido ao seu trabalho e, para variar, assim que lhe desejei um bom dia e escutei um eu te amo do outro lado da linha, exerci meu ritual habitual diante da frustração: beber uma cerveja.

Sophia é uma mulher de estatura baixa, mas que condensa toda uma formosura.Linda, incrível, e não só pelo rosto angelical que Deus havia lhe dado, tinha um corpo suculento e apetitoso. Esse corpo, com certeza, deve ter sido esculpido pelo demônio em pessoa. Como poderia existir uma mulher que carregasse todos os atributos e qualidades mais desejadas pelos homens? Só pode ter havido uma parceria entre as duas divindades antagônicas na hora de criá-la.

Pensei nisso enquanto abria minha geladeira e descobria que ela estava vazia – com exceção de dois ovos de galinha perdidos por ali e um pedaço de queijo cedido por uma vizinha quando me viu chegar a casa portando apenas um saco com três pães.
 

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A Saudade da Antiga Aurora

                                                                                   Para John, póstumamente
                              
Já faz algum tempo desde que recebi a ligação da Taiane anunciando sua morte. Sinceramente, até hoje, eu custo a acreditar nela. Custo a acreditar que me roubaram um amigo confidente, gente de beleza rara e cheia de sonhos. Tipo de gente que costuma mudar o mundo. Não lhe deram a oportunidade de mudar nada,meu amigo...

 A voz da Taiane tremia ao telefone. Eu, meio aturdido, tentei acalmá-la pois seu nervosismo misturado ao choro compulsivo não ajudava na compreensão de uma sílaba se quer das palavras atropeladas que brotavam de sua boca. Analisando rapidamente a situação, pude supor que a notícia, tão difícil de ser dita, dolorosamente proferida, seria algo relacionada a você. “Sofreu algum acidente, meu Deus?”, pensei de imediato. “Será que está na UTI, internado ou o quê? Quantas vezes o avisaram sobre o jeito inconseqüente que pilotava aquela moto!”.
Infelizmente, meus palpites eram otimistas demais.

Por conta da inquietude de minha amiga, me dispus a ir até a casa dela para que me contasse com calma o que lhe causava tamanho desespero e dor. No caminho de pedras, apertava meu passo, olhando sempre em frente , tentado não supor que o pior lhe havia acontecido.

domingo, 24 de outubro de 2010

Breve Saudade - ou - Nota Apoteótica 1

Naqueles dias de preocupação amena, quando você ainda estava descobrindo o sentido da vida. Naqueles dias soltos e de momentos esparçados e caminhadas leves. Nos beirais dos albuergues, na escada do teu apartamento, sentados na esquina bebendo cerveja e fumando cigarro. Naqueles dias, por mais que você tenha ido embora acreditando que não - desejando que não - soubemos de fato o significado de todas as palavras rugosas ingetadas por anos de literatura marginal e insólita. Registro aqui a nostalgia daqueles momentos. Enraizados em mim e testemunhado pelo mundo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Tio Gilson e a Praia da Barra da Tijuca

Todo mundo tem um familiar problemático que só serve para trazer transtornos e dores de cabeça para o restante da família. Na minha , esta figura é representada pelo meu tio Gilson.

Tio Gilson é uma pessoa muito difícil de se  lidar. Tem suas convicções e não muda por nada, mesmo estando errado. Seu orgulho é imenso. Não sei, sinceramente, como cabe dentro de uma pessoa da estatura dele. Temos histórias variadas sobre seus feitos vergonhosos que já são contados a terceira geração. Irmãos, sobrinhos, minha avó, minhas priminhas mais novas... Não há quem olhe para o rosto do meu tio sem rancor algum. Mal ele já fez a todos.

Mas esse homem, quando eu ainda era muito jovem, mostrou-se possuidor um coração “de ouro”, como se costuma dizer...

Sempre fui fascinado pelo mar. O manto azul líquido desatinou um compasso mais acelerado no peito desde o primeiro olhar pela televisão na casa da minha avó Elizabete. Antes de conhecê-lo pessoalmente ,ficava praticando natação na cama, de baixo do cobertor que usava como meu mar particular. Tentava reproduzir – obviamente em vão – as sensações sentidas pelas idas e vindas das marés saturadas de sal.

Imaginava a temperatura da pele aumentando devido à exposição ao sol, as pessoas andando sem pressa marcando a areia da praia com seus pés tortos e pesados deformando artisticamente toda aquela beleza tipicamente carioca. Esses rituais de aproximação das sensações se repetiram diariamente até o dia do primeiro mergulho.

Devo ter deixado essa paixão transparecer em algum momento pois, em uma manhã bem quente de verão, fui convidado pelo meu Tio Gilson para acompanhá-lo a uma visita na praia da Barra da Tijuca. Eu era bem novo, devia ter um pouco mais de seis anos de idade. Morava em Comendador Soares e ir pra qualquer lugar do Rio de Janeiro levava uma quantidade de tempo considerável. Animei-me imensamente com o convite. Minha mãe não poderia saber e ele inventou uma desculpa qualquer para poder sair comigo. Do trajeto, só guardo na memória a entrada no trem praticamente vazio – naquela saudosa época, os meios de transporte público tinham certa qualidade. Para se ter uma idéia, a passagem do trem, por exemplo, custava R$ 00,50.

Ao entrar no mar, meus mergulhos imaginários mostraram-se eficientes. Sorria abundantemente entre um mergulho e outro enquanto meu tio,do meu lado ,acompanhava atentamente meus movimentos involuntários. O que ficou na memória foram as brincadeiras durante o mergulho, as múltiplas sensações que se misturavam ao mar colossal e o quiosque de um senhor muito simpático onde meu tio e eu ficamos olhando o mar por um tempo, ambos em silêncio. Executava, naquele momento, meu ritual de despedida.

Coincidentemente , vez ou outra, algum canal de televisão entrevista alguma celebridade na Praia da Barra. Juro que aquele quiosque, do senhor simpático que me ofereceu gentilmente uma água de coco, fica ao fundo da gravação.

É a única boa lembrança que guardo do meu tio.