quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Tio Gilson e a Praia da Barra da Tijuca

Todo mundo tem um familiar problemático que só serve para trazer transtornos e dores de cabeça para o restante da família. Na minha , esta figura é representada pelo meu tio Gilson.

Tio Gilson é uma pessoa muito difícil de se  lidar. Tem suas convicções e não muda por nada, mesmo estando errado. Seu orgulho é imenso. Não sei, sinceramente, como cabe dentro de uma pessoa da estatura dele. Temos histórias variadas sobre seus feitos vergonhosos que já são contados a terceira geração. Irmãos, sobrinhos, minha avó, minhas priminhas mais novas... Não há quem olhe para o rosto do meu tio sem rancor algum. Mal ele já fez a todos.

Mas esse homem, quando eu ainda era muito jovem, mostrou-se possuidor um coração “de ouro”, como se costuma dizer...

Sempre fui fascinado pelo mar. O manto azul líquido desatinou um compasso mais acelerado no peito desde o primeiro olhar pela televisão na casa da minha avó Elizabete. Antes de conhecê-lo pessoalmente ,ficava praticando natação na cama, de baixo do cobertor que usava como meu mar particular. Tentava reproduzir – obviamente em vão – as sensações sentidas pelas idas e vindas das marés saturadas de sal.

Imaginava a temperatura da pele aumentando devido à exposição ao sol, as pessoas andando sem pressa marcando a areia da praia com seus pés tortos e pesados deformando artisticamente toda aquela beleza tipicamente carioca. Esses rituais de aproximação das sensações se repetiram diariamente até o dia do primeiro mergulho.

Devo ter deixado essa paixão transparecer em algum momento pois, em uma manhã bem quente de verão, fui convidado pelo meu Tio Gilson para acompanhá-lo a uma visita na praia da Barra da Tijuca. Eu era bem novo, devia ter um pouco mais de seis anos de idade. Morava em Comendador Soares e ir pra qualquer lugar do Rio de Janeiro levava uma quantidade de tempo considerável. Animei-me imensamente com o convite. Minha mãe não poderia saber e ele inventou uma desculpa qualquer para poder sair comigo. Do trajeto, só guardo na memória a entrada no trem praticamente vazio – naquela saudosa época, os meios de transporte público tinham certa qualidade. Para se ter uma idéia, a passagem do trem, por exemplo, custava R$ 00,50.

Ao entrar no mar, meus mergulhos imaginários mostraram-se eficientes. Sorria abundantemente entre um mergulho e outro enquanto meu tio,do meu lado ,acompanhava atentamente meus movimentos involuntários. O que ficou na memória foram as brincadeiras durante o mergulho, as múltiplas sensações que se misturavam ao mar colossal e o quiosque de um senhor muito simpático onde meu tio e eu ficamos olhando o mar por um tempo, ambos em silêncio. Executava, naquele momento, meu ritual de despedida.

Coincidentemente , vez ou outra, algum canal de televisão entrevista alguma celebridade na Praia da Barra. Juro que aquele quiosque, do senhor simpático que me ofereceu gentilmente uma água de coco, fica ao fundo da gravação.

É a única boa lembrança que guardo do meu tio.

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